Monday, December 04, 2006

"O TEJO ENGOLIU TUDO"


As cheias do fim de Novembro quase que “mandaram” para a rua um idoso de sessenta e cinco anos. César Almeida ficou só com a roupa do corpo e pouco mais, na madrugada de sexta-feira dia 24. Com sessenta e cinco anos, passa os dias entre a APATI e a casa onde mora, vivendo um dia de cada vez, e dando graças à associação que o acolhe diariamente

César Almeida de sessenta e cinco anos, viu o Tejo levar-lhe os poucos pertences que tinha.
Reformado, há alguns anos por invalidez, o idoso habita num anexo de uma casa emprestada, mas sem electricidade nem casa de banho.
Na última sexta-feira dia 24 de Novembro, César Almeida passou por momentos de alguma aflição. As águas do Tejo subiram e o seu quarto esteve com mais de um metro de água.
César Almeida, foi surpreendido pela subida vertiginosa das águas do Tejo, e sé lhe valeram “os bombeiros da Castanheira do Ribatejo, que me vieram buscar num barco de borracha” contou o idoso.
Com as lágrimas nos olhos, o senhor Almeida diz que não ganhou para o susto. Embora saiba nadar “o vento era muito e eu não arrisquei”.
Pouco passava das quatro da manha, quando um bombeiro da corporação da Castanheira, arrombou a porta do anexo onde estava César Almeida. O idoso que esteve algumas horas com a água pela cintura “já não tinha forças para chegar à porta” por isso optou por esperar que alguém o acudisse.
Em boa hora os voluntários lembraram-se daquela casa, também partilhada com outra senhora de idade, mas que vive num primeiro andar, e por isso esteva mais longe da enchente.
César Almeida, confessou ao Vida Ribatejana, que esteve sempre com fé de que sairia daquela situação. Valeu-lhe a fé em Deus “porque sou devoto e sempre acreditei”.
Dos poucos pertences que tinha, César Almeida lamenta a falta que lhe faz uma velha telefonia, entretanto engolida pelas águas do Tejo.
“Eu ouvia todas as noites o terço. Pode querer. Sinto falta daquela companhia”. Para além do velho rádio a pilhas, César Almeida perdeu as poucas roupas que tinha.
Tem-lhe valido a APATI, uma associação da Castanheira que se dedica a pessoas idosas, como é o caso.
Os momentos que viveu no dia 24 não lhe sairão tão cedo da memória. Ainda se lembra da cheia que matou dezenas de pessoas na localidade de Quintas, que comparou à situação dessa sexta-feira “em sessenta e cinco anos de vida, nunca tinha estado numa situação destas” diz, lembrando-se dos familiares que morreram nessa cheia, nos anos setenta.
Com a mobilidade reduzida, o idoso que perdeu as suas recordações nas furiosas águas do Tejo, agradeceu aos companheiros da APATI que o têm ajudado.
“Estou cego de uma vista. O braço direito, não o consigo mexer, e ainda tenho de fazer em breve um exame que vai ser doloroso… mas a ávida é assim” explica com um sorriso marcado pelos dissabores de uma vida.
A associação, segundo diz é a sua segunda família e a segunda casa. As funcionárias cuidam da sua higiene, dão-lhe as refeições “ e à noite trago uma sopinha para casa” que come no seu quarto improvisado à luz de um candeeiro a petróleo.
Actualmente, César Almeida, está a dormir num quarto improvisado no primeiro andar no mesmo edifício onde tem o anexo. As condições são melhores, mas o que quer mesmo é voltar para o seu quarto.
Enquanto espera por melhores dias, César Almeida passa os dias entre a APATI e o seu quarto. Aliás vai ser na associação que vai passar o natal. Tem família. Uma irmã mora paredes-meias consigo. Tem um irmão no Cacem, mas é na associação que se sente bem. Não esconde a família, até porque diz a irmã deu uma ajuda na limpeza do quarto e o irmão já o convidou para o natal.
Não se arrepende de não ter casado “não me quiseram, paciência” diz o idoso que já não enjeita a forma de refazer a vida aos sessenta e cinco anos, que ainda se lembra do movimento da Vala do Carregado há anos atrás, antes de encerrarem a passagem de nível. César lamenta entretanto “eu não consigo subir escadas. Os elevadores estão sempre avariados, aquilo não funciona” diz.

Passagem superior não convence

“Está bonita, mas não funciona” que o diz é Rosa Araújo que muitas vezes tem de subir as escadas da nova passagem superior da Vala do Carregado para chegar às lojas do outro lado da linha.
Alguns moradores queixam-se que a “Vala” foi dividida ao meio pela linha “estamos aqui encafuados. Não conseguimos passar para o outro lado” lamenta Rosa que salienta “na sexta-feira, isto foi um pandemónio. Felizmente que os bombeiros vieram cá. Porque eu não conseguia sair”.
Rosa Araújo, faz parte de um grupo de vizinhos que não gostou da forma de como a REFER aboliu a passagem de nível.
“È mais seguro, mas fizeram isto e não deram cavaco a ninguém” salienta Rosa que aponta o dedo à REFER, até porque “nunca soubemos de nada. Isto foi feito sem conhecermos o projecto”.
Luis Araújo, esposo subscreve as palavras de Rosa e acrescenta que “já não consigo subir as escadas. Se não fosse a minha filha a vir cá casa buscar-me de carro para ir ao médico não sei como seria”.
A cheia de 24 de Novembro “foi um teste á nossa capacidade de resistência” diz luís com 63 anos. “Somos velhos e os elevadores estão sempre avariados, ou desligados”.
José Navalho, proprietário de uma firma, salienta entretanto que no seu caso não sentiu os efeitos das cheias.
“Só encheu ali no quintal” refere, apontando para o ribeiro que atravessa toda a Vala do Carregado. Segundo José Navalho, a situação mais complicada foi mais perto tio Tejo, e aponta o dedo a quem despeja detritos na ribeira, o que leva na sua opinião a transbordar.
Com uma serração junto à linha de caminho de ferro, Navalho diz que de prejuízo só teve a perda de algumas madeiras.
A limpeza foi também outra dificuldade, mas assegura que estava preparado para a situação, lembrando que está sempre alerta “quando chega a estas alturas, embora as pessoas não estejam habituadas aos Invernos de antigamente”, e lembra que a cheia das Quintas ainda está presente na memória “porque aquilo foi uma coisa anormal” disse.
Agora, a maioria dos lesados, fazem contas aos prejuízos, como o caso de Serafina Mota que perdeu “sacas de batatas, fruta e tenho um carro que ficou cheio de água, porque estava na garagem”. Um prejuízo ainda não calculado, mas que neste caso chega para já aos cinco mil euros “isto só contando com o carro”, porque o seguro da casa ou do carro “não cobre o prejuízo” disse.